
Nas terras do país que ostenta uma vasta pauta de exportações de matérias-primas, um produto bem menos abundante, mas igualmente apreciado, reclama socorro. E já há alguns séculos. O pau-brasil foi, a rigor, o primeiro item vendido ao exterior pelo Brasil - e não foi apenas o nome que se subtraiu da árvore.
Espécie típica da Mata Atlântica, com ocorrência do Rio Grande do Norte a São Paulo, sua extração foi favorecida pela localização das florestas junto ao litoral. Rapidamente, ainda nos anos de 1500, os colonizadores portugueses descobriram a vocação do pau-brasil (ou ibirapitanga, em tupi-guarani) para o tingimento de tecidos, pela presença de um corante avermelhado chamado 'brasilina'. O comércio manteve-se lucrativo até meados do século XIX, quando foi progressivamente substituído por corantes sintéticos.
Mas, pouco antes, por volta de 1750, um novo destino foi dado à madeira: a confecção de arcos de violino. A atividade atravessou gerações e chegou aos dias atuais: os músicos a consideram matéria-prima única para esse instrumento musical, conferindo-lhe altíssima flexibilidade.
A boa fama no ramo musical fez prosseguir, ano após ano, a dilapidação da árvore nas matas brasileiras. 'O pau-brasil tem um histórico de exploração intenso, que ainda não acabou', afirma José Humberto Chaves, coordenador-geral de autorização do uso da flora e florestas do Ibama - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Hoje, restam poucos exemplares da espécie, principalmente no sul da Bahia, onde já foram identificadas quase duas mil árvores, e no norte do Espírito Santo.
Por isso, desde 1994, o pau-brasil consta oficialmente da lista de plantas ameaçadas de extinção no país. Em 2007, porém, o Brasil deu um passo importante para a preservação da planta: conseguiu incluí-la na Cites - Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas, que estabelece critérios rigorosos de comercialização. A partir de então, passou a ser exigida a inspeção da madeira em todas as transações internacionais. 'Apesar de ser uma árvore exclusivamente brasileira, a decisão nos ajuda a combater a venda ilegal', esclarece o coordenador do Ibama.
Estímulo ao plantio
Curiosamente, a presença do pau-brasil na Cites estimulou uma iniciativa pioneira dos próprios usuários da flora. Atentas à crescente dificuldade para a obtenção da madeira, empresas francesas, alemãs e norte-americanas de instrumentos musicais se interessaram em investir no cultivo da espécie. Assim, procuraram a Ceplac - Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira para estabelecer um convênio. A entidade, originariamente ligada ao cacau, conserva exemplares de pau-brasil há cerca de 40 anos, em uma área de mil hectares em Porto Seguro, na Bahia - experiência reforçada na comemoração dos 500 anos do Brasil, em 2000, quando o governo federal encomendou à Ceplac o preparo e a distribuição de 150 mil mudas da árvore no país.
O programa com os estrangeiros, inicialmente com prazo de cinco anos, teve como objetivo financiar pesquisas, propagar mudas e dar assistência técnica aos agricultores, com um aporte de 600 mil reais. 'Grande parte das mudas foi destinada ao plantio no sistema chamado 'cacau-cabruca', por meio do qual o fruto recebe o sombreamento de árvores nativas da Mata Atlântica, caso do pau-brasil', afirma Demósthenes Lordello de Carvalho, gerente administrativo de pesquisas do setor de recursos ambientais da Ceplac. O plantio é a única forma de ter a liberação de uso do pau-brasil, já que a Lei da Mata Atlântica, aprovada em 2006, proíbe até mesmo o manejo sustentado da planta, sem a possibilidade de extração legal na floresta.
O sucesso foi tão grande, com a plantação de 131 mil árvores, que os pesquisadores já trabalham na segunda fase do projeto. Agora, além do monitoramento do que já foi cultivado, a Ceplac quer focar na adequação ambiental da propriedade rural, com atenção à reserva legal e à APP - Área de Preservação Permanente. 'Agora, pretendemos plantar 25 mil exemplares de pau-brasil, um número menor que na primeira fase, porque a ideia é cuidar bem do que já está no campo', diz Carvalho.
Pau-Brasil, esse desconhecido
Mas ainda há muito que conhecer da planta. Segundo gerente da Ceplac, apenas recentemente é que os pesquisadores descobriram que a árvore rebrota e que ocorre sempre de forma agregada - ou seja, ao encontrar um exemplar na mata, com certeza haverá um outro bem próximo. Sabe-se que o pau-brasil está apto para a colheita em um período de 30 a 40 anos, portanto, um investimento de longo prazo. A espécie pode atingir alturas elevadas - um exemplar cultivado no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, por exemplo, possui 25 metros de altura e 60 centímetros de diâmetro.
O Ibama também realiza um levantamento para identificar a extensão da procura por pau-brasil. Dados de 2007 dão conta de que a demanda giraria em torno de 200 metros cúbicos por ano. 'É difícil saber com exatidão o tamanho do mercado, porque grande parte das fábricas cadastradas opera com estoques antigos da madeira, já que os instrumentos musicais que fabricam não exigem grande quantidade da matéria-prima', diz Chaves, do Ibama. Há ainda um universo de ilegalidade que a entidade tenta mapear. 'Infelizmente, é muito fácil burlar a lei: é possível levar uma dezena de arcos de violino numa mala sem despertar suspeitas, já que o material não faz muito volume', explica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário